Faísca
As resoluções do amor andavam longe das manifestações circenses – Mas que amor?
Naquela noite estavam a comemorar o fim do semestre – o fim dos exames- encontrou-o algures nas escadas da sé.
Eduardo veio ter comigo a pedir-me um isqueiro. Assenti mas pedi um cigarro na volta – tinha um rosto exótico, contundente à passagem dos olhos de uma mulher. Ele sorriu, os olhos verdes brilharam num contentamento infantil que se verbalizou rapidamente – “Estás engraçada” – talvez fosse o vestido bege. Passou a mão pelo cabelo – fá-lo sempre que pondera – colocou o cigarro entre os dedos, esticou o braço – Dou-te o cigarro se saíres comigo na próxima quinta-feira.
Eduardo era o tipo que Marta pintava à terça à tarde no 4º esquerdo. Ele entrava, deixava o casaco na cadeira da sala e encontrava-a no quarto com o cabelo atado e roupa larga. Enquanto tirava a roupa ficava a olha-la, a maneira de se movimentar, de organizar os lápis e os papéis. Estava nu – Faísca, estou pronto.
Vestia-se. Ela jogava os papéis para cima da cama e sempre perguntava – queres lanchar? Não respondia. Tinha dias que se aproximava e roubava um beijo. Ficava a vê-la espernear, a franzir o sobrolho, pelo atrevimento, outros só mesmo a olhar – o cabelo a desatar-se e a cair sobre os ombros. Nas noites que se prolongavam num jantar ficava na varanda a fumar, envolvido nas labaredas de cutty sark. Ela chegava, puxava uma cadeira, punha os pés no patamar. Ficava ali – esticava a mão e mudamente pedinchava o cigarro.
Silêncio, as saudades que já sentíamos um pelo outro.
Ele rodeava-a com os braços e pousava o copo nas pernas dela.
Mas que amor?
Quando saía, pegava o casaco e beijava-lhe a testa, a bochecha, a mão, os olhos – «Ainda tenho o teu cheiro no meu casaco Faísca.»
Vem cá, vamos fumar um cigarro.